terça-feira, 23 de janeiro de 2018

"Imagino a emoção de dois seres que se reencontram depois de muitos anos. Outrora se frequentavam e portanto pensavam que estavam ligados pela mesma experiência, pelas mesmas lembranças. As mesmas lembranças? É aqui que começa o mal-entendido: eles não têm as mesmas recordações; ambos retêm do passado duas ou três pequenas situações, mas cada um retém as suas; suas lembranças não se parecem; não se encontram; e, mesmo quantitativamente, não são comparáveis: um se lembra do outro mais do que este se lembra dele; primeiro porque a capacidade da memória de cada um difere de um indivíduo para outro (o que ainda seria uma explicação aceitável para cada um deles), e também (e é mais penoso admitir isto) porque eles não têm, um para o outro, a mesma importância. Quando Irena viu Josef no aeroporto, ela se lembrou de cada detalhe daquela aventura distante; Josef não se lembrava de nada. Desde o primeiro instante, seu encontro teve como fundamento uma desigualdade injusta e revoltante."

Milan Kundera - A Ignorância.


Não faz muito tempo, eu pensava sobre a memória. Pensava que era superestimada, em todos os setores. Em relacionamentos, por exemplo, com a cobrança de lembrarmos datas (aniversários, dias especiais, entre outros); na rotina de compromissos (confiamos na memória para realizarmos trabalhos, lembrarmos de encontrar nossos colegas em reuniões e inúmeros outros detalhes); e até mesmo na educação, pois o nosso sistema de avaliação, até hoje, depende muito mais da nossa capacidade de memorizar fatos e fórmulas do que na capacidade de solucionar situações e criar novas ferramentas para elas. Um dos meus sonhos era ter memória fotográfica para facilitar a vida. Agora, tento me convencer de que não é tão importante assim, rs. O fato é que eu não havia me dado conta desse pesado aspecto apontado por Kundera e, bom... Talvez a memória seja mesmo superestimada.
A maleabilidade de tudo, a inexistência de uma resposta correta e definitiva para absolutamente nenhum aspecto da vida pode ser, a princípio, uma revelação assustadora. Porém, uma vez que nos deparamos com essa realidade e refletimos, talvez a possamos enxergar como algo libertador. No fim, não há nenhuma resposta ou caminho ruim para o qual não haja uma boa substituição.