quinta-feira, 1 de junho de 2017

Cíclico.

Cheiro de gasolina. Gosto. E desperto no meio da pista, em movimento. Desperto após longo período de torpor, como se aspirasse uma lufada de ar após quase afogar - a vida sem reflexão é isso, afogamento. E ponho tudo em questão. Tudo, não passa nada. E vem um cansaço. Um cansaço que não bem cansaço, mas enjoo. E depois, aquela estaca fincada no peito que é a vontade de viver - mas estaca não mata? Se não mata, cutuca. Se cutuca, faz mexer. Se mexe, age. Se age, vive. Se vive, pode afogar. E começamos de novo.

terça-feira, 30 de maio de 2017

"Mas quem pode livrar-se, porventura,
  Dos laços que Amor arma brandamente
  Entre as rosas e a neve humana pura,
  O ouro e o alabastro transparente?
  Quem, de uma peregrina fermosura,
  De um vulto de Medusa pròpriamente,
  Que o coração converte, que tem prêso,
  Em pedra, não, mas em desejo aceso?"

Camões - Os Lusíadas.

Rosas e neve humana pura, ouro e alabastro transparente... Seria o amor sempre tão puro assim?
Talvez sim, e não pura é a paixão. Ambos me agradam. Duas coisas. Sempre duas coisas, rs.


segunda-feira, 15 de maio de 2017

Processes

Amadurecer é um processo lento - e às vezes doloroso -, mas é bom e essencial. Uma das melhores partes desse processo é perceber que podemos mudar de opinião sobre muitas coisas, e sem culpa - guilt-free, rs.
Muitos dos meus pontos de vista estão em metamorfose, e um deles é relacionado ao Pequeno Príncipe. Não me recordo se cheguei a ler o livro inteiro em algum momento da vida - se o fiz, faz muito tempo - ou se ele faz parte do hall de livros que "conheço" através dos comentários. Enfim, a questão é que tenho pensado sobre aquela frase que vez ou outra me soa piegas: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
Até um tempo atrás eu concordava, mas hoje creio que não mais. Sentimentos mudam, relações mudam, situações e a percepção acerca delas também. A responsabilidade também se altera. Tu és responsável por aquilo que cativas enquanto a relação com o que foi cativado perdura e faz sentido. Se a relação muda, a responsabilidade muda junto.
A responsabilidade sobre o que existiu e as marcas deixadas, essa sim, é eterna. Porque, intencionais ou não, essas marcas trazem consequências - positivas ou negativas - advindas de algum tipo de escolha, e deixam memórias registradas em algum lugar, seja ele físico ou não.
Então, acho que uma melhor adaptação da frase seria: tu te tornas eternamente responsável pelas memórias que crias. Mais justo para todas as partes, creio.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

It's all a matter of groove (and language).

Desde que eu me lembro, sempre tive um nível de autocrítica bem elevado ou, pelo menos, imagino que assim seja. É aquilo: se faço uma crítica a alguém, tento olhar para mim e ver se eu não faço a mesma coisa. É o justo, certo? Certo.
Em uma dessas trips de críticas e autocríticas, me deparei com uma questão: o tipo de letra que costumo ojerizar quando cantada em funks brasileiros é o mesmo que me agrada em uma roupagem pop americana. E aí, como é que eu me justifico perante o tribunal dos meus neurônios? 
Procurei uma resposta e não encontrei. É nesse tipo de momento que permito-me assumir a personalidade guilt-free e aceitar que talvez o meu apreço por uma letra sacana e explícita dependa apenas do ritmo - e da língua, talvez - pelo qual ela esteja revestida - além da voz, é claro. E não há nenhuma outra razão, muito menos nobre, para esse critério de seleção.
Mostre-me qualquer funk brasileiro considerado "pesado" e, eu garanto, vou recusar-me a ouvir. Mas coloque para tocar a canção "often" (The Weeknd), na qual Abel Makkonen cantarola "baby, I can make that pussy rain", para ver se eu não sou a mais empolgada na cantoria. Shame on me, rs.
Guilt-free. E The Weeknd, com todas as suas dirty - and sexy as hell - lyrics, mora no meu coração (e nos meus ouvidos).

quarta-feira, 29 de março de 2017

Pessoa.

A literatura, que é a arte casada com o pensamento, e a realização sem a mácula da realidade, parece-me ser o fim para que deveria tender todo o esforço humano, se fosse verdadeiramente humano, e não uma superfluidade do animal. Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude e tirar-lhe o terror. Os campos são mais verdes no dizer-se do que no seu verdor. As flores, se forem descritas com frases que as definam no ar da imaginação, terão cores de uma permanência que a vida celular não permite.
Mover-se é viver, dizer-se é sobreviver. Não há nada de real na vida que o não seja porque se descreveu bem. Os críticos da casa pequena soem apontar que tal poema, longamente ritmado, não quer, afinal, dizer senão que o dia está bom. Mas dizer que o dia está bom é difícil, e o dia bom, ele mesmo, passa. Temos pois que conservar o dia bom em uma memória florida e prolixa, e assim constelar de novas flores ou de novos astros os campos ou os céus da exterioridade vazia e passageira.
Tudo é o que somos, e tudo será, para os que nos seguirem na diversidade do tempo, conforme nós intensamente o houvermos imaginado, isto é, o houvermos, com a imaginação metida no corpo, verdadeiramente sido. Não creio que a história seja mais, em seu grande panorama desbotado, que um decurso de interpretações, um consenso confuso de testemunhos distraídos. O romancista é todos nós, e narramos quando vemos, porque ver é complexo como tudo.
Tenho nesse momento tantos pensamentos fundamentais, tantas coisas verdadeiramente metafísicas que dizer, que me canso de repente, e decido não escrever mais, não pensar mais, mas deixar que a febre de dizer me dê sono, e eu faça festas com os olhos fechados, como a um gato, a tudo quanto poderia ser dito.

PESSOA, Fernando. Livro do desassossego.


Certa vez eu disse que talvez a minha forma de expressão fosse o gesto. Acho que me confundi. Preciso mesmo é de palavras.
De uma forma geral, é através delas que compreendemos o mundo. E só o fazemos porque podemos, assim, nos comunicar, registrar, relembrar, elaborar teorias e esquemas de explicação. E esse poder nos dado pelas palavras nos dá a possibilidade de criar cultura e transformar o espaço que habitamos. E, até onde sabemos, essa ferramenta é só nossa.
Aí volta aquele papo sobre conhecimento. O conhecimento e a apreensão acerca da existência só é possível porque é verbalizado e descrito. O resto é balela. Sem palavra não há registro e tampouco compreensão, que dirá o que vem depois - a reverenciada ciência.
Agora acho que encontrei uma justificativa - talvez ainda não tão bem elaborada, mas já é um início, e eu queria muito um - para brigar pelas humanidades. Obrigada, Pessoa - e desculpe-me se desviei um pouco do foco.
Mas, em tempo, devo dizer que, se a palavra é essencial para a compreensão e a existência, a arte ligada a ela também o é, pois alimenta a alma e torna tudo muito mais suportável.

sexta-feira, 24 de março de 2017

A infinitude assusta.

Enquanto esperava sentada em um jardim, ouvi estudantes de ensino médio - que estavam de passagem - aparentemente aflitos com o fato de ter de escolher um curso universitário que definiria "o resto da vida". Internamente, ri. Ri porque já ouvi essas palavras saindo da minha boca anos atrás e cá estou, com um resto da vida completamente diferente da ideia inicial.
Talvez eu queira dar mais profundidade à questão do que o necessário - se é que há alguma profundidade aqui, rs -, mas o ponto é que talvez ainda não tenha passado pela cabeça da garota aflita que, na verdade, nada precisa ser definitivo - e muitas vezes não é, e nem deveria ser. Sempre há uma outra opção em caso de mudanças na direção do desejo.
E o melhor é que sempre temos opções em todas as áreas da vida - profissional, pessoal, em relacionamentos. E ainda bem. Porque a possibilidade de uma infinitude de "mais do mesmo", se o "mesmo" não é bom o suficiente, pode ser realmente assustadora. Assustadora porque pode gerar tédio, e a minha relação com o tédio já ficou bem clara por aqui, imagino - rs.

There is always a way out. Thanks, universe.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Em meio a um estado de sonolência - que é frequente, para não dizer constante, rs -, divaguei - coisa que também tem ocorrido com assiduidade -: o fato de ficarmos mais calados em redes sociais ou com colegas/amigos em geral tem alguma coisa a ver com maturidade?
Talvez não, é provável que seja apenas preguiça. Preguiça ou tédio - ou ambos. Tédio de conversas rasas, ou das que se pretendem profundas mas são recheadas de clichês. Clichês me deixam entediada. Muito.
Mas quero falar sobre o tédio. Esse é um parasita corrosivo. Perigoso, até. Tédio é o meu câncer na alma - obrigada Caio Fernando, por apresentar a expressão. E câncer a gente combate todos os dias, senão espalha e toma conta de tudo.
Ao mesmo tempo em que é maligna, essa monotonia é curiosa. Ocorreu-me que talvez a aproximação/manifestação dela seja o que impulsiona o ser humano a criar e mudar coisas ao seu redor.
Precisamos de mudanças, não só porque o mundo vive em processo evolutivo - e aqui vale salientar aquela noção de que evolução nem sempre é algo positivo como, por exemplo, a evolução de um câncer, rs -, mas porque, como diz o chavão - e eu reclamei dos clichês nas conversas, tsc -, "a rotina mata". Mata porque com ela vem o tédio.
Estar entediado pode ser produtivo pois, em busca de algo que altere o estado de monotonia, o ser acometido por esse câncer pode decidir fazer algo interessante, como pintar, compor, criar enfim.
Mas, claro, há quem entre em processo de entropia tediosa: o tédio pode gerar ainda mais tédio, por preguiça - ou incapacidade - de encontrar algum remédio que o trate. E aí, as células cancerígenas tomam conta, fim de jogo.
Sei lá, pensei nisso e animei-me para escrever. Mas agora não sei se perdi o fio da meada ou se fiquei entediada - novamente -, então melhor parar.