"Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava): levantar-se
No ar um vaporzinho e sutil fumo
E, do vento trazido, rodear-se;
De aqui levado um cano ao pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos fàcilmente não podia;
Da matéria das nuvens parecia.
Ia-se pouco e pouco acrescentando
E mais que um largo mastro se engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava;
Estava-se co'as ondas ondeando;
Em cima dêle uma nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada,
Co'o cargo grande d'água em si tomada.
Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que, imprudente,
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co'o sangue alheio a sêde ardente;
Chupando, mais e mais se engrossa e cria,
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta
A si e a nuvem negra que sustenta.
Mas, depois de tudo se fartou,
O pé que tem no mar a si recolhe
E pelo céu, chovendo, enfim voou,
Por que co'a água a jacente água molhe;
Às ondas torna as ondas que tomou,
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura
Que segredos são êstes de natura.
Se os antigos filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de signos e de estrêlas,
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades."
Discurso de Vasco da Gama ao se deparar com o fenômeno "tromba marítima" em alto mar, antes de aportar pela segunda vez em sua viagem rumo às Índias, n'Os Lusíadas. Nessas horas - em que demonstra seu próprio embasbacamento com o universo e seus mistérios - eu me derreto um pouco mais por Camões. Continuemos a navegação.
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