quarta-feira, 21 de junho de 2017
A gente vive correndo, trabalhando, correndo, trabalhando. E, de qualquer maneira, estamos sempre devendo. Dinheiro, conhecimento, explicação, satisfação. Cansa. E cansa grande. Exaure. Gasta, desgasta, seca a alma. Frustra, empobrece o cérebro. E daí surge um mistério. O mistério de sobreviver em meio ao caos e à exaustão. Talvez não. Talvez não sobreviva, mas a gente tenta. E aí canta, pinta, desenha. Escreve crônica, conto, resenha. Tenta achar lenha. Pra manter o fogo aceso e em desespero não entrar. Vontade de gritar. Gritar o saco cheio, a falta de respeito, de esperança e segurança. Cansa. Exaure. Já falei, repito. Cansa, exaure. Me lembra o barulho de um trem em movimento: cansa, exaure, cansa, exaure, cansa, exaure. Às vezes o trem solta um apito, que a gente pode entender como nosso próprio grito em meio a esse cansar infinito. Grito de surto psicológico ou grito de surto artístico, tanto faz. No fim, os dois são semelhantes - ou são a mesma coisa, não se sabe.
terça-feira, 6 de junho de 2017
Senta aqui, Camões.
"No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vêzes a morte apercebida;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
(Os Lusíadas, final do Canto I).
Camões, vem cá bater uma prosa sobre essa nossa pequenez.
Tantas vêzes a morte apercebida;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
(Os Lusíadas, final do Canto I).
Camões, vem cá bater uma prosa sobre essa nossa pequenez.
domingo, 4 de junho de 2017
"Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava): levantar-se
No ar um vaporzinho e sutil fumo
E, do vento trazido, rodear-se;
De aqui levado um cano ao pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos fàcilmente não podia;
Da matéria das nuvens parecia.
Ia-se pouco e pouco acrescentando
E mais que um largo mastro se engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava;
Estava-se co'as ondas ondeando;
Em cima dêle uma nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada,
Co'o cargo grande d'água em si tomada.
Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que, imprudente,
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co'o sangue alheio a sêde ardente;
Chupando, mais e mais se engrossa e cria,
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta
A si e a nuvem negra que sustenta.
Mas, depois de tudo se fartou,
O pé que tem no mar a si recolhe
E pelo céu, chovendo, enfim voou,
Por que co'a água a jacente água molhe;
Às ondas torna as ondas que tomou,
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura
Que segredos são êstes de natura.
Se os antigos filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de signos e de estrêlas,
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades."
Discurso de Vasco da Gama ao se deparar com o fenômeno "tromba marítima" em alto mar, antes de aportar pela segunda vez em sua viagem rumo às Índias, n'Os Lusíadas. Nessas horas - em que demonstra seu próprio embasbacamento com o universo e seus mistérios - eu me derreto um pouco mais por Camões. Continuemos a navegação.
Que a vista me enganava): levantar-se
No ar um vaporzinho e sutil fumo
E, do vento trazido, rodear-se;
De aqui levado um cano ao pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos fàcilmente não podia;
Da matéria das nuvens parecia.
Ia-se pouco e pouco acrescentando
E mais que um largo mastro se engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava;
Estava-se co'as ondas ondeando;
Em cima dêle uma nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada,
Co'o cargo grande d'água em si tomada.
Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que, imprudente,
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co'o sangue alheio a sêde ardente;
Chupando, mais e mais se engrossa e cria,
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta
A si e a nuvem negra que sustenta.
Mas, depois de tudo se fartou,
O pé que tem no mar a si recolhe
E pelo céu, chovendo, enfim voou,
Por que co'a água a jacente água molhe;
Às ondas torna as ondas que tomou,
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura
Que segredos são êstes de natura.
Se os antigos filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de signos e de estrêlas,
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades."
Discurso de Vasco da Gama ao se deparar com o fenômeno "tromba marítima" em alto mar, antes de aportar pela segunda vez em sua viagem rumo às Índias, n'Os Lusíadas. Nessas horas - em que demonstra seu próprio embasbacamento com o universo e seus mistérios - eu me derreto um pouco mais por Camões. Continuemos a navegação.
quinta-feira, 1 de junho de 2017
Cíclico.
Cheiro de gasolina. Gosto. E desperto no meio da pista, em movimento. Desperto após longo período de torpor, como se aspirasse uma lufada de ar após quase afogar - a vida sem reflexão é isso, afogamento. E ponho tudo em questão. Tudo, não passa nada. E vem um cansaço. Um cansaço que não bem cansaço, mas enjoo. E depois, aquela estaca fincada no peito que é a vontade de viver - mas estaca não mata? Se não mata, cutuca. Se cutuca, faz mexer. Se mexe, age. Se age, vive. Se vive, pode afogar. E começamos de novo.
terça-feira, 30 de maio de 2017
"Mas quem pode livrar-se, porventura,
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas e a neve humana pura,
O ouro e o alabastro transparente?
Quem, de uma peregrina fermosura,
De um vulto de Medusa pròpriamente,
Que o coração converte, que tem prêso,
Em pedra, não, mas em desejo aceso?"
Camões - Os Lusíadas.
Rosas e neve humana pura, ouro e alabastro transparente... Seria o amor sempre tão puro assim?
Talvez sim, e não pura é a paixão. Ambos me agradam. Duas coisas. Sempre duas coisas, rs.
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas e a neve humana pura,
O ouro e o alabastro transparente?
Quem, de uma peregrina fermosura,
De um vulto de Medusa pròpriamente,
Que o coração converte, que tem prêso,
Em pedra, não, mas em desejo aceso?"
Camões - Os Lusíadas.
Rosas e neve humana pura, ouro e alabastro transparente... Seria o amor sempre tão puro assim?
Talvez sim, e não pura é a paixão. Ambos me agradam. Duas coisas. Sempre duas coisas, rs.
segunda-feira, 15 de maio de 2017
Processes
Amadurecer é um processo lento - e às vezes doloroso -, mas é bom e essencial. Uma das melhores partes desse processo é perceber que podemos mudar de opinião sobre muitas coisas, e sem culpa - guilt-free, rs.
Muitos dos meus pontos de vista estão em metamorfose, e um deles é relacionado ao Pequeno Príncipe. Não me recordo se cheguei a ler o livro inteiro em algum momento da vida - se o fiz, faz muito tempo - ou se ele faz parte do hall de livros que "conheço" através dos comentários. Enfim, a questão é que tenho pensado sobre aquela frase que vez ou outra me soa piegas: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
Até um tempo atrás eu concordava, mas hoje creio que não mais. Sentimentos mudam, relações mudam, situações e a percepção acerca delas também. A responsabilidade também se altera. Tu és responsável por aquilo que cativas enquanto a relação com o que foi cativado perdura e faz sentido. Se a relação muda, a responsabilidade muda junto.
A responsabilidade sobre o que existiu e as marcas deixadas, essa sim, é eterna. Porque, intencionais ou não, essas marcas trazem consequências - positivas ou negativas - advindas de algum tipo de escolha, e deixam memórias registradas em algum lugar, seja ele físico ou não.
Então, acho que uma melhor adaptação da frase seria: tu te tornas eternamente responsável pelas memórias que crias. Mais justo para todas as partes, creio.
Muitos dos meus pontos de vista estão em metamorfose, e um deles é relacionado ao Pequeno Príncipe. Não me recordo se cheguei a ler o livro inteiro em algum momento da vida - se o fiz, faz muito tempo - ou se ele faz parte do hall de livros que "conheço" através dos comentários. Enfim, a questão é que tenho pensado sobre aquela frase que vez ou outra me soa piegas: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
Até um tempo atrás eu concordava, mas hoje creio que não mais. Sentimentos mudam, relações mudam, situações e a percepção acerca delas também. A responsabilidade também se altera. Tu és responsável por aquilo que cativas enquanto a relação com o que foi cativado perdura e faz sentido. Se a relação muda, a responsabilidade muda junto.
A responsabilidade sobre o que existiu e as marcas deixadas, essa sim, é eterna. Porque, intencionais ou não, essas marcas trazem consequências - positivas ou negativas - advindas de algum tipo de escolha, e deixam memórias registradas em algum lugar, seja ele físico ou não.
Então, acho que uma melhor adaptação da frase seria: tu te tornas eternamente responsável pelas memórias que crias. Mais justo para todas as partes, creio.
segunda-feira, 17 de abril de 2017
It's all a matter of groove (and language).
Desde que eu me lembro, sempre tive um nível de autocrítica bem elevado ou, pelo menos, imagino que assim seja. É aquilo: se faço uma crítica a alguém, tento olhar para mim e ver se eu não faço a mesma coisa. É o justo, certo? Certo.
Em uma dessas trips de críticas e autocríticas, me deparei com uma questão: o tipo de letra que costumo ojerizar quando cantada em funks brasileiros é o mesmo que me agrada em uma roupagem pop americana. E aí, como é que eu me justifico perante o tribunal dos meus neurônios?
Procurei uma resposta e não encontrei. É nesse tipo de momento que permito-me assumir a personalidade guilt-free e aceitar que talvez o meu apreço por uma letra sacana e explícita dependa apenas do ritmo - e da língua, talvez - pelo qual ela esteja revestida - além da voz, é claro. E não há nenhuma outra razão, muito menos nobre, para esse critério de seleção.
Mostre-me qualquer funk brasileiro considerado "pesado" e, eu garanto, vou recusar-me a ouvir. Mas coloque para tocar a canção "often" (The Weeknd), na qual Abel Makkonen cantarola "baby, I can make that pussy rain", para ver se eu não sou a mais empolgada na cantoria. Shame on me, rs.
Guilt-free. E The Weeknd, com todas as suas dirty - and sexy as hell - lyrics, mora no meu coração (e nos meus ouvidos).
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