sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

"Nas vagas sombras de luz por findar antes que a tarde seja noite cedo, gozo de errar sem pensar entre o que a cidade se torna, e ando como se nada tivesse remédio. Agrada-me, mais à imaginação que aos sentidos, a tristeza dispersa que está comigo. Vago, e folheio em mim, sem o ler, um livro de texto intersperso [sic] de imagens rápidas, de que vou formando indolentemente uma ideia que nunca se completa."

PESSOA, Fernando - Livro do Desassossego



Existe um certo charme nas coisas incompletas, inacabadas e tristes. Não sei se é uma falha do ser humano, uma falha genética ou de alma esse apreço pelo que não se completa e pelo não contentamento. Talvez o mistério por trás do que não se terminou - uma frase interrompida que ficou no ar, uma linha que não tem destino ou forma final, um caminhar que foi desviado por razão qualquer - seja mais sedutor do que a chegada ao final. Talvez a preferência pela incompletude se dê pelo medo de que o fim do caminho não seja tão interessante quando o meio.