terça-feira, 4 de outubro de 2011

All gone.

E eu me esqueci do que é querer algo. E querendo lembrar, vou esquecendo cada vez mais.
Parece que não sobra nada de interessante. Nada agrada, nada me faz desejar.
O desenho, o trabalho, o platonismo(!). Não sobrou nada.
Nem a escrita.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

No Banheiro do Bar.

"Eu poderia comê-lo", pensou Beatriz, enquanto Renato contava para ela - que tentava , sem sucesso, se concentrar em ouvir - as histórias de suas últimas viagens.
- Você está prestando atenção? - perguntou ele, que tinha a sensação de que Beatriz não o ouvia realmente.
- Claro! - respondeu ela, que por sorte conseguiu entender a pergunta. A concentração evaporando, o olhar fixando-se novamente na boca que a questionava.
- E o que foi que eu acabei de dizer? - perguntou Renato, sabendo que ela não conseguiria responder.
- Que em Barcelona você encontrou uma caloura do seu curso - falou, mole, enquanto seus olhos desciam pelo pescoço.
- Não, foi na Bolívia. Onde você está? - peguntou ele, com indícios de preocupação na voz. Ela não parecia bem. "Talvez tenha sido a tequila", pensou ele, "vou falar pro garçom não trazer mais nenhuma dose que ela pedir".
- Não queira que eu te responda..
- Quero sim. Pense em alguma resposta suficientemente boa e me diga quando eu voltar. Vou ao banheiro, não demoro - tocou a mão dela, levantou-se e andou apressado, não queria deixá-la sozinha por muito tempo.

Beatriz contou 10 segundos antes de segui-lo. Entrou no banheiro masculino e foi para o box reservado. Com Renato.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Can I look to your blue eyes?

"Veio até mim. Quem deixou me olhar assim? Não pediu minha permissão." (Céu - Malemolência)

Parece que esse processo, essa cerimônia e essa necessidade de uma permissão para olhar para o outro realmente existe. Por que será?
Talvez a percepção - ou não, pode ser inconsciente mesmo - de que o corpo, no final das contas, é o nosso único território verdadeiro e garantido, nos desperte o instinto de delimitá-lo, de protegê-lo, mesmo que seja apenas de olhares inofensivos.
Em uma cidade tão grande, com tantas pessoas para serem observadas, isso pode ser acentuado. Não (só) porque se deve proteger o corpo contra muitos outros, mas sim porque surge a questão: "com tantas pessoas aqui, por que essa criatura está olhando para mim desse jeito?"
A impressão é de que, com o advento da tecnologia e suas telas, observar o corpo alheio - ou parte dele - diretamente, ao vivo, é um ato que só pode ocorrer quando existe um estranhamento ou interesse. E isso pode ser até relacionado com o julgamento de feio/bonito fisicamente. "Pode ser" não: é.
Não se pode mais olhar despretensiosamente, sem realmente ver, pois, quando você perceber que está olhando pra uma pessoa, provavelmente ela já estará com o olhar cheio de armas, questionando o seu silenciosamente - "o que é? Tá me achando bonita(o)/feia(o)?". Ou não, vai saber.



Posso olhar pra você?

sexta-feira, 6 de maio de 2011

E assim foi o romance (ou Capítulo II)

A luz das 5:40 da manhã penetrava preguiçosamente a cortina do quarto. Ninna abriu os olhos, vagarosamente. Giullia estava no outro extremo da cama, dormindo, angelical como de costume. Ninna observou-a por alguns minutos, imóvel.
Resolveu então levantar-se. Leve, andou sobre o carpete de madeira sem fazer barulho, até alcançar o armário, ao lado do qual deixara sua pasta quando chegara, na noite passada. Tirou o bloco de papel canson, os três lápis que usava para desenhar e sentou-se no chão, ao lado da cama, encostando-se na parede que a deixava de frente para o rosto de Giullia.
Traçava cada linha com delicadeza, como se estivesse tocando a modelo que, no meio do traçar, despertou, abrindo minimamente os olhos azuis elétricos.

- O que você está fazendo? - perguntou Giullia, a fala enrolada, quase um resmungo.
- Você. - respondeu Ninna, sem parar de desenhar.
- Mas eu não sou modelo, sou velha, estou inchada e fui pega desarmada. - fez menção de mexer os braços.
- Não se mexa, me dê mais um minuto. E quem disse que precisa ser modelo para ser desenhada? Você não é velha, não está inchada e eu não queria que se armasse, de qualquer maneira.
- Mas modelos são mais bonitas.
- Pare de bobagem. Pode se mexer um pouco agora, e depois sente de costas para mim. - Ninna falou suavemente, contrariando o conjunto de palavras imperativas.
- Não sei porque ainda te deixo me desenhar. - resmungou Giullia, fingindo irritação e enrolando-se no lençol ao sentar.
- Porque você gosta de saber como eu te vejo. Tire o lençol.

Giullia não tinha resposta - a afirmação era verdadeira. Rendeu-se, tirando o lençol.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Nem Sempre Elevador

- Esfriou, né?
- Pois é. Era tão quente...
- Era.
- Era azul também. Bem azulzinho, djavanesco.
- Virou cinza...
- Cinzinha.
- Pena que acabou assim...
- Pena mesmo...
- Talvez alguns relacionamentos não sejam resistentes à passagem das estações.
- Esse é o ponto.
- É.
- É.






P.S.: é, acho que perdi a prática. Levando isso aqui como ando levando tudo: nas coxas. Ou nos pés mesmo.

domingo, 6 de março de 2011

Clube da Luta


Existem possibilidades que só a universidade pode proporcionar. No meu caso, falo principalmente do contato com filmes que eu, provavelmente, não assistiria por conta própria. "Little Ashes" e "Basquiat" foram alguns deles - e alguns dos melhores.

Mas o mais improvável, até hoje, foi que eu assistisse "Clube da Luta". Querendo ou não, é fato que o título pesa na hora de atrair a minha atenção. Ainda mais se ele indica mais ou menos - nesse caso, uma pequeníssima parte - o tema do filme. Esse, certamente, não me atrairia.

Cheguei ao mesmo por ter visto, semana passada, que teríamos no programa de uma das matérias desse semestre - Sociologia da Moda - um trecho desse filme. Resolvi aproveitar o feriado para assisti-lo. Eis que me surpreendo: é maravilhoso. Não sei se o momento pelo qual estou passando agora foi o fator essencial para "Clube da Luta" ter me atingido de maneira absurda, mas foi o que ocorreu.

A luta não é o mais importante. É a crise existencial, a sensação de que a questão "qual é a importância de nós, que fazemos parte dessa última geração?" paira sobre nossas cabeças, e mesmo assim não damos atenção. A sensação de que acreditamos que a nossa identidade é construída pelas coisas que construímos e temos, e não por algo a mais - e olha que isso é uma coisa que me confunde absurdamente. A existência de um conformismo com uma profissão que muitas vezes não queremos - e isso foi um ponto ALTÍSSIMO pra mim nesse filme, alguns entenderão profundamente o que quero dizer -, seja qual for o motivo que nos leve a isso.
Isso tudo sem falar nas surpresas que o roteiro nos reserva...

O filme é excelente e atual, embora tenha já seus 12 anos. E, para quem está em uma crise, pode ser um soco no estômago - com o perdão do trocadilho.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O Amarelo Triste


Pietro era uma criança de 6 anos de idade aparentemente comum. Brincava com as outras crianças - com um entusiasmo cada vez menor, era verdade - na escola, fazia suas lições e respeitava a mãe. Apenas uma característica destacava-se: ficava extremamente triste quando via a cor amarela e tinha pavor de girassóis. Um pavor tão grande que, quando avistava a flor, corria pra se esconder atrás do primeiro objeto que encontrasse. O motivo era desconhecido.
Os pais achavam estranha aquela reação peculiar, pois não havia nada que justificasse a tristeza do garoto ao ver a cor amarela, geralmente associada à alegria. O girassol também não se encaixava naquele pavor.
Resolveram levá-lo a um psicólogo para entender o problema e resolvê-lo. A mãe ficara responsável por acompanhar o garoto, pois o pai era um pintor ocupado, e fazia réplicas de telas famosas para vender - essa fora a justificativa dele durante as muitas discussões sobre o assunto.
Várias sessões foram realizadas, e tudo o que o menino fazia era desenhar um homem. O mesmo homem, que só tinha contornos e era completamente preenchido de preto. Não existiam feições ou cores.
Em uma das sessões iniciais, o doutor partiu para a pergunta mais óbvia:
- Senhora, existe algum vazo de girassóis em sua casa?
- Não - respondeu a mãe.
As consultas seguiram-se, até que Francesca se dera conta: no sótão da casa existia uma velha réplica que seu marido fizera da tela "Doze Girassóis em uma Jarra", de Vincent Van Gogh.
Ao contar o fato ao psicólogo na sessão seguinte, ele pediu:
- Coloque Pietro em frente a essa tela e observe sua reação, principalmente sua linguagem corporal.
- Mas ele nunca foi ao sótão, como poderia ter visto o quadro? - perguntou ela.
- Talvez ele não tenha ido enquanto a senhora estava presente. Mas não importa, apenas faça esse experimento.
Francesca, naquele mesmo dia, levou o filho ao sótão e colocou-o em frente ao quadro. Surpreendentemente, Pietro abaixou as calças e ficou de joelhos.
- O que é isso, meu filho?! - exclamou Francesca, que imediatamente arrumou o garoto e tirou-o de lá. Confusa e sem saber o que fazer com aquela reação, esperou que seu marido chegasse em casa para ficar com Pietro enquanto ela ia ao mercado.
Enquanto fazia as compras rápida e distraidamente, tentava ligar os fatos: o medo que o filho tinha de amarelo e girassóis, a tela, o homem que o garoto desenhava nas sessões, a fala do médico sobre seu filho não ir ao sótão em sua presença, a reação de Pietro ao encarar a obra e o aparente desinteresse do pai no tratamento do filho.
Largou as compras e correu para casa.
Abriu a porta às pressas e correu ao sótão. Lá estava a origem de todos os problemas: Pietro estava de frente para a tela, ajoelhado, com as calças abaixadas. Seu pai o estuprava.



Vase With Twelve Sunflowers - Van Gogh

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Falar e Calar.

- Eu queria te falar...
- Falar o que?
- Falar que eu quero falar.
- Mas qual é o assunto?
- Não tenho um na cabeça agora, mas eu queria falar.
- Mas como você quer falar se não tem um assunto pra falar?
- Querendo.
- Querendo o que?
- Querendo falar, .
- Mas querendo falar o que?
- Essa é a pergunta errada...
- E tem pergunta certa?
- Claro que tem!
- Não sabia que existia pergunta certa a fazer pra gente que não sabe o que quer falar...
- Sempre tem uma pergunta certa. Na verdade, nem precisa ser pergunta. Só uma coisa qualquer que seja certa pra falar.
- Mas como é que a outra pessoa vai saber qual é a coisa certa pra falar, se nem você sabe o que quer falar?
- Não vai.
- Não vai o que?
- Saber.

Silêncio

- A pergunta certa é: "por quê?"
- Por que o que?
- "Por que você quer falar?"
- Mas eu não quero, é você que quer!
- Eu sei! Pergunta pra mim.
- Tá bom. Por que você quer falar?
- Pra não ficar em silêncio...
- E por que você não quer ficar em silêncio?
- Tenho medo.
- Medo do silêncio? Por quê?
- Porque o silêncio pode significar que a gente não tem mais nada pra falar um pro outro, e que isso já pode terminar aqui.
- Cala a boca.
- Mas você quer que isso termine aqui?
- Eu te amo.


Silêncio.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

50 Anos A Mil


O livro autobiográfico do baterista, cantor e compositor - além de muito mais - João Luiz Woerdenbag Filho, também conhecido como Lobão, é obrigatório para qualquer um que goste de saber sobre a história da música brasileira.
É incrível observar os encontros musicais que permearam a vida dessa criatura, e que promoveram maravilhosas parcerias - Lulu Santos, Marina Lima, Júlio Barroso, Nelson Motta, entre muitos outros - que ocorriam de forma até inesperada, bem "hey, quebra o galho, sem baterista, toca lá pra mim?".
Isso sem falar da beleza que é ver um menino tão tímido - que tinha vergonha até de pedir a permissão da professora para ir ao banheiro - crescer e botar a boca no trombone, falando tudo o que pensa sem medo de ser contrariado.
É uma história cheia de problemas familiares - e outros puramente individuais -, com passagens pelas drogas e pela prisão que, muitas vezes, deram pano pra imprensa criar a caricatura de um lobo mau que na verdade não se limita a essa caracterização.
Quem, como eu, gosta de rock brasileiro e se envergonha dessas bandinhas fuleiras que estão no cenário musical de agora, deve ler a história do ícone da música independente e da briga contra os jabás nas rádios desse país. Roquenrou!

P.S.: as partes escritas por ele estão completamente em sua própria linguagem que, por sinal, é cheia de reticências, =D.
P.S.S.: as outras partes são escritas pelo jornalista Claudio Tognolli, falando sobre as matérias que saíram sobre o Lobão nas épocas contadas, para fundamentar a história.



Considerações finais: faltou uma boa edição na parte das entrevistas e uma melhoradinha na escrita dele também, e isso não iria interferir no seu modo peculiar de se expressar. Por outro lado, ele consegue passar uma imagem bem menos arrogante do que a gente costuma ver em entrevistas na televisão.
Por fim, uma coisa é fato: Lobão é foda. Não importa que nunca tenha sido um grande vendedor de discos. Ele é um vencedor.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Precisar e Descartar

"Se, ao menos, na hora de ela me deixar, precisasse um pouco mais de mim." (Lobão - Pra Onde Você Vai)

Essa frase me fez pensar em algo: será que só ficamos em torno das pessoas - pessoas, porque com relação aos objetos isso é muito óbvio - enquanto precisamos delas?
Não entendam errado: o precisar pode ser relacionado a qualquer coisa, principalmente à amizade, ao afeto. Claro, muitos podem dizer que, se depois de um tempo você "enjoa" ou "cansa" da amizade, é porque não era verdadeira. Mas será que é esse o ponto?
Porque todo mundo precisa de um tempo sozinho - e se você não precisa, já está fora da minha limitada compreensão -, e depois vem a necessidade de conversar - quando vem. Só que não se fala sobre tudo com absolutamente todos. São amigos e amigos, uns mais compreensivos - e compreensíveis - e outros menos, e aí os assuntos são escolhidos - conscientemente ou não - de acordo com cada um. E não é pecado ninguém saber de tudo - estou me tornando repetitiva, já falei disso.
É óbvio também que, em outros casos, como os relacionamentos com simples colegas, essa fórmula de "não precisar mais + falta de aproximação maior = descarte" - ok, descarte foi cruel - é mais fácil de pensar.
Será que quando uma amizade, ou algum outro tipo de relacionamento, não "funciona" mais pra nós - pelo menos naquele momento -, simplesmente saímos andando assim, sem nem pensar no outro? Tendo (muito) a pensar que sim.

É, seres humanos são cruéis.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

(Não) É Pra Já.

Existem coisas que não podem ser resolvidas de uma hora pra outra.
Por exemplo, a minha falta de inspiração - e vontade, é verdade - para escrever aqui nos últimos tempos. Um texto não simplesmente pula no meu cérebro e vem pronto para ser publicado.
Distâncias também não se resolvem do nada. Não é porque existe o avião que a todo tempo podemos pegar um. Precisamos do dinheiro para comprar a passagem, do transporte para chegar ao aeroporto - e a gasolina -, e de um lugar pra ficar na chegada.
Conversas não podem ser realizadas a todo o tempo. Dependendo de qual assunto seja, a internet e seus programas não são meios ideais para resolvê-lo.
Tudo leva tempo, cálculo. O que será dito deve ser pensado com calma, para que desastres - ou apenas desentendimentos, falhas na comunicação - não ocorram. Não, não é que conversas espontâneas não existam, mas é que estou falando de coisas mais sérias.
A minha falta de comunicação, o meu fechamento - já reclamado por muitos, várias vezes - também não é algo que possa resolvido só porque todos - e, eventualmente, eu também - querem. Existem coisas que não desejam - sim, as coisas/assuntos não desejam, não apenas eu - e não precisam ser compartilhadas. E ponto. Ninguém precisa saber de tudo, e é esse o problema: todo mundo quer saber de tudo. E não é assim que funciona.
Mas às vezes se quer tanto resolver um assunto, daqueles que não devem - e não merecem - ser falados pela internet, mas o diabo da distância impede que seja falado pessoalmente. E aí o que se pode fazer? Esperar. Esperar até aquele(a) seu(sua) amigo(a) retorne para que possa te ajudar. Ou que você vá até lá, pra falar um monte de besteiras.
E no final das contas, não importa. As conversas podem não sair como eram esperadas.


P.S.: e pra quem ficou com a impressão, eu não sou fria e calculista, relaxe. =)