segunda-feira, 9 de maio de 2011

Can I look to your blue eyes?

"Veio até mim. Quem deixou me olhar assim? Não pediu minha permissão." (Céu - Malemolência)

Parece que esse processo, essa cerimônia e essa necessidade de uma permissão para olhar para o outro realmente existe. Por que será?
Talvez a percepção - ou não, pode ser inconsciente mesmo - de que o corpo, no final das contas, é o nosso único território verdadeiro e garantido, nos desperte o instinto de delimitá-lo, de protegê-lo, mesmo que seja apenas de olhares inofensivos.
Em uma cidade tão grande, com tantas pessoas para serem observadas, isso pode ser acentuado. Não (só) porque se deve proteger o corpo contra muitos outros, mas sim porque surge a questão: "com tantas pessoas aqui, por que essa criatura está olhando para mim desse jeito?"
A impressão é de que, com o advento da tecnologia e suas telas, observar o corpo alheio - ou parte dele - diretamente, ao vivo, é um ato que só pode ocorrer quando existe um estranhamento ou interesse. E isso pode ser até relacionado com o julgamento de feio/bonito fisicamente. "Pode ser" não: é.
Não se pode mais olhar despretensiosamente, sem realmente ver, pois, quando você perceber que está olhando pra uma pessoa, provavelmente ela já estará com o olhar cheio de armas, questionando o seu silenciosamente - "o que é? Tá me achando bonita(o)/feia(o)?". Ou não, vai saber.



Posso olhar pra você?

sexta-feira, 6 de maio de 2011

E assim foi o romance (ou Capítulo II)

A luz das 5:40 da manhã penetrava preguiçosamente a cortina do quarto. Ninna abriu os olhos, vagarosamente. Giullia estava no outro extremo da cama, dormindo, angelical como de costume. Ninna observou-a por alguns minutos, imóvel.
Resolveu então levantar-se. Leve, andou sobre o carpete de madeira sem fazer barulho, até alcançar o armário, ao lado do qual deixara sua pasta quando chegara, na noite passada. Tirou o bloco de papel canson, os três lápis que usava para desenhar e sentou-se no chão, ao lado da cama, encostando-se na parede que a deixava de frente para o rosto de Giullia.
Traçava cada linha com delicadeza, como se estivesse tocando a modelo que, no meio do traçar, despertou, abrindo minimamente os olhos azuis elétricos.

- O que você está fazendo? - perguntou Giullia, a fala enrolada, quase um resmungo.
- Você. - respondeu Ninna, sem parar de desenhar.
- Mas eu não sou modelo, sou velha, estou inchada e fui pega desarmada. - fez menção de mexer os braços.
- Não se mexa, me dê mais um minuto. E quem disse que precisa ser modelo para ser desenhada? Você não é velha, não está inchada e eu não queria que se armasse, de qualquer maneira.
- Mas modelos são mais bonitas.
- Pare de bobagem. Pode se mexer um pouco agora, e depois sente de costas para mim. - Ninna falou suavemente, contrariando o conjunto de palavras imperativas.
- Não sei porque ainda te deixo me desenhar. - resmungou Giullia, fingindo irritação e enrolando-se no lençol ao sentar.
- Porque você gosta de saber como eu te vejo. Tire o lençol.

Giullia não tinha resposta - a afirmação era verdadeira. Rendeu-se, tirando o lençol.