quarta-feira, 23 de maio de 2018

Admirável mundo novo

       "Todos os moralistas estão de acordo em que o remorso crônico é um sentimento dos mais indesejáveis. Se uma pessoa procedeu mal, arrependa-se, faça as reparações que puder e trate de comportar-se melhor na próxima vez. Não deve, de modo nenhum, pôr-se a remoer suas más ações. Espojar-se na lama não é a melhor maneira de ficar limpo.
        A arte possui também sua moralidade, e muitas das regras desta são iguais, ou pelo menos análogas, às da ética comum. O remorso, por exemplo, é tão indesejável com relação à nossa arte de má qualidade quanto com relação ao nosso mau comportamento. A má qualidade deve ser identificada, reconhecida e, se possível, evitada no futuro. Esmiuçar as deficiências literárias de vinte anos atrás, tentar remendar uma obra defeituosa para levá-la à perfeição que não teve em sua primeira forma, passar a nossa meia-idade procurando remediar os pecados artísticos cometidos e legados por aquela outra pessoa que éramos na juventude - tudo isso, certamente, é vão e infrutífero. Eis por que este novo Admirável mundo novo sai igual ao antigo. Seus defeitos como obra de arte são consideráveis; mas, para corrigi-los, eu teria de reescrever o livro - e, ao reescrevê-lo, como uma outra pessoa, mais velha, provavelmente eliminaria não apenas as falhas da narrativa, mas também os méritos que pudesse ter tido originalmente. Assim, resistindo à tentação de chafurdar no remorso artístico, prefiro deixar o bom e o mau como estão e pensar em outra coisa."

Aldous Huxley, no prefácio da vigésima segunda edição de seu Admirável mundo novo. Um bom exemplo de como perdoar seus próprios pecados e utilizá-los apenas como aprendizado - e não como fonte de arrependimentos inesgotáveis. Huxley era guilt-free total, rs. E que comece a leitura.