segunda-feira, 25 de julho de 2016

Desespero Agradável

"Insaciável", disse a psicóloga com um sorriso no canto da boca enquanto analisava o desenho astral, ou qualquer que fosse o nome daquele emaranhado de formas, números, linhas e cores que dizia dizer algo sobre sua personalidade. Insaciável.
E aí subia a rua pensando em poesia. Não na poesia em si, mas no ato de "ser poético". Porque diziam que ser poético era característica de algo bonito. E ela adotou o adjetivo, embora nunca tivesse realmente gostado de poesia. Dizia que não entendia. Talvez fosse estúpida demais para entender, pensava. Ou apenas preguiçosa. Mas não, a burrice era uma alternativa que julgava lhe caber melhor. Seria auto-sabotagem? Não saberia dizer. Afinal, a necessidade de descobrir se era isso a levou para aquele consultório, para início de conversa. "Insaciável" foi a palavra. Será? Será que a sensação de não saber de nada era apenas uma armadilha para que buscasse mais? E mais, e mais, e nunca o suficiente armazenado nessa massa cinzenta que às vezes lembra um peso para papel, porque estática, desprovida de raciocínio. Inútil.
Mas na verdade o ser poético era por ser bonito e às vezes havia beleza - ou poesia, não saberia dizer - onde supostamente não deveria. Beleza na auto-sabotagem. Beleza nas armadilhas. A insaciedade parecia poética. Mas não saberia dizer. Não entendia. Não.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Morangos Mofados, Desespero Agradável, Tudo Caio, Tudo Caio...

"Como uma cópula moral, uma foda ética ou etílica, sabe-se lá a que requintados níveis de abstração, perversidade ou subterfúgio podem chegar certas trepadas."

Caio, nós teríamos sido amigos, com certeza.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Desertos.

- O que é que você estava lendo?
- Nada, não. Uma matéria aí numa revista. Um negócio sobre monoculturas e sprays.
- What about?
- Heim?
- O que você estava lendo.
Ela tossiu. Depois pareceu se animar.
- Umas coisas assim, ecológicas, sabe? Dizque se você só planta uma espécie de coisa na terra por muitos anos, ela acaba morrendo. A terra, não a coisa plantada, entende? Soja, por exemplo. Dizque acaba a camada de húmus. Parece que eucalipto também. Depois aos poucos vira deserto. Vão ficando uns pontos assim. Vazios, entende? Desérticos. Espalhados por toda a terra.
O disco acabou, ele não se mexeu. Depois, recomeçou.
- Assim como se você pingasse uma porção de gotas de tinta num mata-borrão - ela continuou. - Eles vão se espalhando cada vez mais. Acabam se encontrando uns com os outros um dia, entende? O deserto fica maior. Fica cada vez maior. Os desertos não param nunca de crescer, sabia?
- Sabia. - ele disse.
- Horrível, não?

Caio Fernando Abreu - Morangos Mofados.


Assim como é o solo, é a alma humana. Se plantamos as mesmas coisas durante muito tempo, alimentamos um deserto. Mesmo que sem querer, mesmo que com toda a boa intenção. Talvez por isso o desassossego. E creio que não seja só meu - é coletivo. Novos alimentos, novos nutrientes para a alma. 

É por isso que a rotina mata - na maior parte das vezes. Uma infinidade de mesmices de ações e sentimentos que vão desgastando um solo que não gera mais satisfação. E aí a gente tenta fugir da rotina. E fugir da rotina se torna uma rotina. E aí é um deserto dentro do outro.
Resultado? Terapia, rs. Terapia é o ego se gabando porque você precisa dar ainda mais atenção a ele. Soa egocêntrico, mas é útil. É como converter um inimigo em amigo. E aí chega de desertos, pois encontramos a medida certa de todas as sementes.

Que chegue a próxima sessão.