domingo, 6 de março de 2011

Clube da Luta


Existem possibilidades que só a universidade pode proporcionar. No meu caso, falo principalmente do contato com filmes que eu, provavelmente, não assistiria por conta própria. "Little Ashes" e "Basquiat" foram alguns deles - e alguns dos melhores.

Mas o mais improvável, até hoje, foi que eu assistisse "Clube da Luta". Querendo ou não, é fato que o título pesa na hora de atrair a minha atenção. Ainda mais se ele indica mais ou menos - nesse caso, uma pequeníssima parte - o tema do filme. Esse, certamente, não me atrairia.

Cheguei ao mesmo por ter visto, semana passada, que teríamos no programa de uma das matérias desse semestre - Sociologia da Moda - um trecho desse filme. Resolvi aproveitar o feriado para assisti-lo. Eis que me surpreendo: é maravilhoso. Não sei se o momento pelo qual estou passando agora foi o fator essencial para "Clube da Luta" ter me atingido de maneira absurda, mas foi o que ocorreu.

A luta não é o mais importante. É a crise existencial, a sensação de que a questão "qual é a importância de nós, que fazemos parte dessa última geração?" paira sobre nossas cabeças, e mesmo assim não damos atenção. A sensação de que acreditamos que a nossa identidade é construída pelas coisas que construímos e temos, e não por algo a mais - e olha que isso é uma coisa que me confunde absurdamente. A existência de um conformismo com uma profissão que muitas vezes não queremos - e isso foi um ponto ALTÍSSIMO pra mim nesse filme, alguns entenderão profundamente o que quero dizer -, seja qual for o motivo que nos leve a isso.
Isso tudo sem falar nas surpresas que o roteiro nos reserva...

O filme é excelente e atual, embora tenha já seus 12 anos. E, para quem está em uma crise, pode ser um soco no estômago - com o perdão do trocadilho.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O Amarelo Triste


Pietro era uma criança de 6 anos de idade aparentemente comum. Brincava com as outras crianças - com um entusiasmo cada vez menor, era verdade - na escola, fazia suas lições e respeitava a mãe. Apenas uma característica destacava-se: ficava extremamente triste quando via a cor amarela e tinha pavor de girassóis. Um pavor tão grande que, quando avistava a flor, corria pra se esconder atrás do primeiro objeto que encontrasse. O motivo era desconhecido.
Os pais achavam estranha aquela reação peculiar, pois não havia nada que justificasse a tristeza do garoto ao ver a cor amarela, geralmente associada à alegria. O girassol também não se encaixava naquele pavor.
Resolveram levá-lo a um psicólogo para entender o problema e resolvê-lo. A mãe ficara responsável por acompanhar o garoto, pois o pai era um pintor ocupado, e fazia réplicas de telas famosas para vender - essa fora a justificativa dele durante as muitas discussões sobre o assunto.
Várias sessões foram realizadas, e tudo o que o menino fazia era desenhar um homem. O mesmo homem, que só tinha contornos e era completamente preenchido de preto. Não existiam feições ou cores.
Em uma das sessões iniciais, o doutor partiu para a pergunta mais óbvia:
- Senhora, existe algum vazo de girassóis em sua casa?
- Não - respondeu a mãe.
As consultas seguiram-se, até que Francesca se dera conta: no sótão da casa existia uma velha réplica que seu marido fizera da tela "Doze Girassóis em uma Jarra", de Vincent Van Gogh.
Ao contar o fato ao psicólogo na sessão seguinte, ele pediu:
- Coloque Pietro em frente a essa tela e observe sua reação, principalmente sua linguagem corporal.
- Mas ele nunca foi ao sótão, como poderia ter visto o quadro? - perguntou ela.
- Talvez ele não tenha ido enquanto a senhora estava presente. Mas não importa, apenas faça esse experimento.
Francesca, naquele mesmo dia, levou o filho ao sótão e colocou-o em frente ao quadro. Surpreendentemente, Pietro abaixou as calças e ficou de joelhos.
- O que é isso, meu filho?! - exclamou Francesca, que imediatamente arrumou o garoto e tirou-o de lá. Confusa e sem saber o que fazer com aquela reação, esperou que seu marido chegasse em casa para ficar com Pietro enquanto ela ia ao mercado.
Enquanto fazia as compras rápida e distraidamente, tentava ligar os fatos: o medo que o filho tinha de amarelo e girassóis, a tela, o homem que o garoto desenhava nas sessões, a fala do médico sobre seu filho não ir ao sótão em sua presença, a reação de Pietro ao encarar a obra e o aparente desinteresse do pai no tratamento do filho.
Largou as compras e correu para casa.
Abriu a porta às pressas e correu ao sótão. Lá estava a origem de todos os problemas: Pietro estava de frente para a tela, ajoelhado, com as calças abaixadas. Seu pai o estuprava.



Vase With Twelve Sunflowers - Van Gogh