sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Vocábulos não dão conta do que somos. Tentamos definir-nos em milhares de adjetivos - que costumam caracterizar aparência, personalidade e nossas relações conosco e com os outros - e substantivos - nome, profissão, gênero, sexo, papel social - mas, no fundo, nada disso dá conta do que, individualmente, somos. Adjetivos e substantivos e todas essas coisas são tentativas falidas de autocompreensão. Uma grande bobagem.
Palavras são coletivas, comuns, e no uso de cada uma estão intrínsecas características compartilhadas por vários universos - a linguagem e a língua são coisas coletivas -, e cada universo desses é cada um de nós e comporta uma subjetividade ilimitada e sem precedentes. Somos universos imensos e não conhecemos nossos limites, assim como é imenso e aparentemente ilimitado o universo externo a nós. Se o externo causa desassossego constante, o interno não perde em nada na categoria de gerador de caos. Caótico universo desassossegado, dentro e fora.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Romantismo desnecessário.

Não sei identificar exatamente de onde aprendi, mas sempre achei muito bonito o "trabalho duro". Sempre me emocionei ao ver as pessoas que vendem pipoca nas paradas de ônibus, ou salgadinhos dentro dos transportes, e quando pensava na minha vida, a achava fácil demais. Ainda acho, tenho consciência dos meus privilégios.
Hoje, nesse cenário em que estamos, no qual parece realmente que as chamadas minorias precisam se juntar para combater um vilão, daqueles mais esdrúxulos e óbvios de qualquer estória infantil, tendo a achar esse movimento de resistência algo de uma beleza imensa. Até aí, ok. Mas aí eu penso: será que vai ser sempre assim, uma batalha sem fim? Será que as coisas só são válidas e lindas se forem difíceis, suadas? Será mesmo que só valorizamos a liberdade e a felicidade quando estamos prestes a perder ambas? Parece que sim. Entenda, estou me incluindo nesse grupo, no conjunto das pessoas que só consegue perceber a real importância das coisas quando elas estão prestes a sumir - ou quando somem de fato -, por mais que, no fundo - e nem precisa ir tão fundo assim -, eu tenha plena consciência do quão errado isso é.
Aí eu acho que entra o papel do romantismo desnecessário. Somos ensinados que o caminho mais difícil é sempre o mais correto, e pode até ser que seja, mas parece que gostamos de adicionar algumas dificuldades por conta própria, para que a suposta vitória seja supostamente mais merecida.
E se tudo ficasse bom, e não precisássemos "combater o mal", no melhor estilo mocinho-e-bandido? Será que ficaríamos todos satisfeitos? Ou procuraríamos algo mais pelo que lutar/brigar? Por mais utópica que seja essa situação de paz completa, suspeito que, mesmo que a tivéssemos, arrumaríamos algo para perturbá-la, porque talvez a paz leve à monotonia e ao tédio, e parece que, nessa situação, a vida passa a ser vista como longa demais.
Costumamos repetir a máxima "a vida é curta" quando a situação se complica e nos pegamos brigando por coisas que supostamente são bobas. Mas imagina se não houvesse pelo que brigar. Sobraria bastante tempo e, com ele, talvez, o tédio.
Outra coisa que fazemos, é associar grandes obras artísticas a grandes sofrimentos - pessoais e/ou históricos. Põe na conta Frida Kahlo, Amy Winehouse, Goya, Picasso, Chico Buarque... A lista não acaba. E se não tivesse sofrimento?
Aldous Huxley, em seu Admirável Mundo Novo, fala algo sobre a dimensão que a felicidade ganha quando ela convive com sofrimentos, em comparação ao tamanho dessa felicidade quando ela está em um ambiente sem conflitos. A felicidade sofrida parece sempre ser maior.
Enfim, não estou necessariamente defendendo que é mais bonito com ou sem sofrimento. É só que me bateu um cansaço.