sexta-feira, 15 de julho de 2016

Desertos.

- O que é que você estava lendo?
- Nada, não. Uma matéria aí numa revista. Um negócio sobre monoculturas e sprays.
- What about?
- Heim?
- O que você estava lendo.
Ela tossiu. Depois pareceu se animar.
- Umas coisas assim, ecológicas, sabe? Dizque se você só planta uma espécie de coisa na terra por muitos anos, ela acaba morrendo. A terra, não a coisa plantada, entende? Soja, por exemplo. Dizque acaba a camada de húmus. Parece que eucalipto também. Depois aos poucos vira deserto. Vão ficando uns pontos assim. Vazios, entende? Desérticos. Espalhados por toda a terra.
O disco acabou, ele não se mexeu. Depois, recomeçou.
- Assim como se você pingasse uma porção de gotas de tinta num mata-borrão - ela continuou. - Eles vão se espalhando cada vez mais. Acabam se encontrando uns com os outros um dia, entende? O deserto fica maior. Fica cada vez maior. Os desertos não param nunca de crescer, sabia?
- Sabia. - ele disse.
- Horrível, não?

Caio Fernando Abreu - Morangos Mofados.


Assim como é o solo, é a alma humana. Se plantamos as mesmas coisas durante muito tempo, alimentamos um deserto. Mesmo que sem querer, mesmo que com toda a boa intenção. Talvez por isso o desassossego. E creio que não seja só meu - é coletivo. Novos alimentos, novos nutrientes para a alma. 

É por isso que a rotina mata - na maior parte das vezes. Uma infinidade de mesmices de ações e sentimentos que vão desgastando um solo que não gera mais satisfação. E aí a gente tenta fugir da rotina. E fugir da rotina se torna uma rotina. E aí é um deserto dentro do outro.
Resultado? Terapia, rs. Terapia é o ego se gabando porque você precisa dar ainda mais atenção a ele. Soa egocêntrico, mas é útil. É como converter um inimigo em amigo. E aí chega de desertos, pois encontramos a medida certa de todas as sementes.

Que chegue a próxima sessão.



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