segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Homem Cordial na Universidade

Entre os diversos textos e livros com os quais precisei ter contato esse ano, destaca-se o chamado Raízes do Brasil, do Sérgio Buarque de Holanda - sim, o pai do amado Chico. O capítulo destacado para a leitura a ser feita por nós alunos foi "O Homem Cordial".
Não pensem que "cordial" aqui é um elogio, no sentido de "afetuoso, franco e sincero" (Dicionário Michaelis), mas sim uma espécie de ironia, um desprezo por ser algo "relativo ao coração".

Esclareço-me: o homem cordial seria aquele que relaciona qualquer atividade da vida - principalmente a profissional - ao coração. É aquele que carrega uma grande carga dos valores familiares, a ponto de não conseguir distinguir as relações profissionais de um modo que possa fazer parte de uma rede eficiente de produção. Vou exemplificar melhor: é aquele que não consegue ao menos competir com seu colega de trabalho por um determinado cargo, justamente por ele ser seu colega e por essa concorrência ser, de certa forma, contrária aos valores familiares. Não quero dizer que os colegas tenham que lutar até a morte para se sobressaírem aos outros, mas eles precisam fazer o seu melhor para chegar a algum lugar, mesmo que isso signifique que nem todos os colegas alcançarão o mesmo cargo.
Nesse mesmo capítulo, fala-se da existente necessidade, que algumas pessoas têm, de criar laços de amizade juntamente com as relações comerciais: o vendedor transforma, muitas vezes, seu freguês em amigo, assim como o freguês escolhe o vendedor com o qual mais simpatiza para comprar algo.

O ruim do homem cordial não seria então seu conjunto de boas maneiras, sua franqueza e sua sinceridade, mas sim a mania de dar um tom emotivo a todas as suas relações - principalmente as que não são familiares.

Na época em que lemos esse texto, foi pedido que analisássemos o homem cordial na universidade, o que, no caso, corresponderia às nossas relações com os colegas.
É nesse ponto que começo a analisar os trabalhos em grupo, aqueles tão famosos pela existência de uma espécie de padrão quase unânime e freqüente: uma parte do grupo faz o trabalho, enquanto a outra se encosta (é mentira?).

Por que nos sujeitamos a carregar aqueles 2 ou 3 - quando não mais - que em nada acrescentam no trabalho? Vejo aqui duas possibilidades: ou os ditos "encostados" são amigos nossos, aos quais não queremos prejudicar - em questão de nota, porque o aprendizado não pode ser feito por osmose só porque queremos ajudá-los -, ou existe um medo de criar um ambiente um tanto hostil para conviver com essas criaturas pelos próximos anos do curso, no caso de falarmos todas as verdades.

Para acabar com esse homem cordial, é lógico o que deve ser feito: os encostos não devem ser tolerados e cada um deve trabalhar como pode ou mesmo como lhe é designado fazer. Mas existe esse medo da hostilidade, além do medo de, um dia, necessitar de um favor profissional desse mesmo colega que foi criticado por não ajudar em nada - e que poderia então não te ajudar, porque você não o "ajudou" em outra época.
O problema é que sempre temos medo dessa possível "vingança", porque esse costume, o de vingar algo que não nos agrada, existe - e não me diga que nunca pensou, nem um segundo, em vingança, seja profissionalmente ou não.

Em uma civilização ideal, o colega, pra começo de conversa, nem se encostaria, e sim faria o seu trabalho. Mas no caso de se encostar e outro colega - aquele que faz o trabalho - reclamar, o encostado enxergaria e consertaria seu erro, e nem pensaria em se vingar pela reclamação, pois não haveria motivo, considerando que o errado seria ele.
Porém, como não existe essa civilização, ficamos nessa de ter medo de eventuais necessidades de ajuda e de futuras vinganças e acabamos ficando calados, fazendo o melhor trabalho possível, sozinhos. E afogamos nossas mágoas resmungando com os outros colegas que fazem.

Para quem se ilude: isso nunca vai acabar, viu?

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